A brisa sopra entre os pedaços do amanhecer,
Fustiga as folhas murmurantes do arvoredo insosso,
Morde o rosto da menina preparando o almoço,
Dobra os corpos que vagueiam na pele e no osso,
Procurando a madrugada que já se escondeu.
Se os edifícios riscam fósforos na névoa fria,
A luz do dia não penetra dentro dos casebres,
Nas entranhas se transforma entre gritos e febres,
Na calçada a meninada pula como lebres,
Ensaiando novos passos pra mesma cantiga.
A brisa sopra um ar gelado que dói como íngua,
Mas o sabor do café quente nos entrava a língua,
E das cortinas desbotadas do ninho do abutre
Vejo o âmago do sonho que a todos nutre:
é um gigante embriagado que caiu do céu.
E quando enfim penso sentir que tudo isso termina
E existe um sol que vai nascer de dentro da neblina,
Os pensamentos se despencam num poço profundo,
A campainha me arrebata o sono vagabundo,
é na poesia que se perde que se mede o mundo.